Sobre ser a irmã mais velha
Entre meu irmão e eu, existe uma barreira que ele consegue ultrapassar e eu não.
Antes de começar, quero dedicar esse texto a todas as irmãs mais velhas que já carregaram nas costas um "cargo" que ninguém pediu. E, claro, um pedido de desculpas sincero aos irmãos mais novos, que nunca tiveram culpa da nossa crise existencial de primogênita.
Em 2014, perto do Dia das Crianças, ganhei um presente que não veio em embalagem, mas chorava, comia e, pelo visto, não tinha devolução: meu irmão. Não lembro de perguntar aos meus pais se eu podia ter uma "companhia", mas, pelo jeito, o medo deles de eu ser solitária no futuro ocupou o lugar de qualquer planejamento. Foi assim que, aos 9 anos, fui promovida de filha única a CEO da irmandade.
No começo, João (meu irmão) foi uma novidade doce. Um bebê saudável que iluminava a casa – e, convenhamos, virou a nova prioridade dos nossos pais. Entre mamadeiras e risadas, veio o real plot twist: eu não era mais só a filha. Aos poucos, a responsabilidade foi pousando em mim, assim como as baratas pousam na cozinha (e quem tem que lidar com isso? O João. Ele sempre está lá para matar elas para mim).
De filha única, passei a irmã mais velha e, não satisfeita, me tornei “mãe de mentirinha” aos 12. Alimentar, trocar fralda, essas coisas eram até ok. Mas o que me deixava sem chão era a responsabilidade invisível: revisar a agenda escolar, fazer trabalhos de última hora e garantir que ele tirasse, no mínimo, um 8,5 em matemática.
E foi aí que surgiu a barreira.
Hoje, João é praticamente um personagem de filme da Disney: carinhoso, confiante, extrovertido, aquele cara que diz "eu te amo" sem travar. Ele tem essa habilidade de atravessar a barreira invisível que nos separa, enquanto eu fico do lado de cá, com meu jeito estressado, meio mandona, cheia de amor... mas guardando tudo em um cofre com senha.
E me culpo. Nossa, como me culpo. Porque não é falta de amor. É que, com ele, eu sempre sinto que preciso estar no controle. Não é a mesma leveza que eu tenho com as outras crianças da família. Com João, sempre foi como se eu precisasse ser a "fortaleza" dele. Talvez tenha sido o peso de anos achando que o futuro dele estava, de alguma forma, nas minhas mãos.
Até que, um dia, desabafando em uma mesa de boteco na faculdade, um amigo jogou a verdade na minha cara:
– Camilly, para de ser a mãe do seu irmão. Seja só a irmã dele.
Que tapa, né? Porque ele estava certo. Essa responsabilidade que eu coloquei nos meus ombros foi algo que eu mesma criei, um papel que ninguém me obrigou a ocupar, mas que eu assumi achando que era minha obrigação.
Por que é tão difícil abandonar esse cargo? Talvez seja o combo de querer proteger, de não querer falhar, de sentir que eu precisava ser algo além da irmã. Mas a verdade é que João não precisa que eu seja perfeita. Ele precisa que eu seja apenas eu.
Essa reflexão me levou a uma trend que rolou no TikTok em 2023: a "Síndrome da Irmã Mais Velha". Não sei se você já viu, mas é como se nós, primogênitas, fôssemos programadas para liderar, cuidar e sentir culpa. E talvez seja hora de quebrar essa programação.
Eu perdi a infância do meu irmão nas minhas memórias. Não me lembro de quase nada. Quando minha mãe diz: “Filha, lembra de tal coisa que seu irmão fazia quando era menor?”, eu fico parada, com um bug mental. Como assim, eu não lembro?
Deixei que a pressão de ser “responsável” ocupasse tanto espaço na minha vida que a nossa infância – a minha e a dele – escapou pelos meus dedos. É um vazio esquisito. João crescia enquanto eu estava ocupada sendo um misto de babá e general.
Ajudar a criá-lo, sem dúvida, moldou quem eu sou hoje: madura, responsável e com uma paciência que quase nunca demonstro, mas está ali. Mesmo assim, não posso negar que existe um gostinho amargo de arrependimento. Eu queria ter aproveitado mais o tempo em que ele era só um bebê fofucho, que chorava, comia e vivia grudado em mim.
Hoje, João tem 10 anos. Ele já não precisa de alguém para colocar o tênis ou explicar que o suco de uva não é “vinho para crianças”. Com mais maturidade, estou finalmente tentando entender meu papel de apenas irmã mais velha. E é um exercício diário. Claro, ainda dou uma força com as tarefas escolares, cuido dos sentimentos dele e tento entendê-lo da melhor forma possível – afinal, eu também já tive 10 anos e sei como é esse caos de querer ser grande, mas ainda precisar de colo.
Mas agora estou aprendendo algo essencial: não sou a mãe dele, e muito menos recebo um salário como babá (o que seria ótimo, diga-se de passagem). Sou apenas alguém que está aqui para ajudá-lo a construir o próprio futuro, e não para entregá-lo pronto, empacotado e com laço de fita.
A verdade é que ser irmã mais velha é meio isso: um jogo constante de equilíbrio entre cuidar, proteger e soltar. João vai crescer com ou sem a minha supervisão na escala 7x7, e tudo bem. Meu papel é ser suporte, não muleta.
Então, vou ali, mais uma vez, tentar fazer algo que ele faz com tanta facilidade: abraçá-lo e dizer que o amo. Porque, no fundo, é isso que importa. Mesmo que, no minuto seguinte, ele esteja rindo da minha cara por gritar ao ver uma barata. Afinal, ser irmã mais velha é meio caótico, mas quem disse que eu trocaria isso por qualquer outra coisa?
Vou te falar, esse foi o primeiro post que me fez chorar dentro dessa plataforma! E olha que nem sou a irmã mai velha haha
mds chorei,que post lindo